20220727

4920 Eu não lhe devo nada

Com o dote que você me dá 
Em troca do meu amor total, 
Não devo mais nada à lágrima.

Tampouco devo nada 
Ao dente voraz 
Da tristeza ardilosa 
Que entra pela minha janela 
Quando você sai 
Pela porta da minha casa.

Não devo nada 
À gula contida 
Da mentira esfaimada 
Que está 
À minha mão direita 
Na mesa da minha sala.

Não devo nada 
À dor ávida 
De ver meu coração desolado 
Sufocado em um punho 
Sendo encolhido 
Pela decepção.

Não devo nada à ausência, 
Nada devo ao abandono.

Tampouco devo nada 
Ao rápido esquecimento 
Das urgências declaradas 
No campo do meu corpo, 
Quando a luz do verão 
É a mais clara.

Não devo nada ao disfarce, 
Ao fingimento, 
À simulação, 
Nem ao engano, 
Nem ao subterfúgio. 
Esses os tenho vivido
Em seu espetáculo 
De flores de fogo, 
Seus fogos de artifício 
E luzes de bengala.

Não devo nada à contenção, 
À moderação, 
À ânsia de esperar 
Que seu raio de luz, 
Como no tarô, 
Atinja minhas torres de vigia.

Com o dote que você me dá
Em troca do meu amor total, 
Nada devo a ruína, 
Nem ao temor, 
Nem a morte enxergada.

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